Ler a História
Havia um homem, vizinho nosso que não falava. Não tinha nenhuma doença ou qualquer problema, só que não falava.
Vivia calado há muitos, muitos anos. Tinha medo de falar.
Naquela manhã bateu-nos à porta. Bateu mesmo, como se a porta lhe tivesse feito algum mal. Bateu com muita força e acabámos todos por ir atendê-lo, a saber o que nos queria.
Fomos em grupo: a avó e a mãe à frente, o avô e o pai atrás, os netos em fila.
Espantoso! O nosso vizinho que não falava começou a falar, a falar, a falar. A falar que era uma beleza ouvi-lo.
– Venham! Venham saber o que aconteceu! Já podemos falar e escolher o que queremos para as nossas vidas. Está uma revolução na rua! Venham depressa!
Fomos à janela ver a Revolução. E a revolução era o povo todo a cantar, de cravos vermelhos na mão, e soldados a passar de uma ponta a outra das cidades, das vilas e das aldeias, a dizer que eram eles e os seus capitães que abriam o País à Liberdade.
Fomos logo para a rua para ver a Liberdade. E a liberdade era gente a rir e a dançar e nós rimos e dançámos com eles.
O avô, que falava pouco, estava agora um verdadeiro tagarela. A avó fazia-lhe companhia.
A mãe e o pai saltitavam. Os mais novos pulavam.
Ouvimos uma canção, e nunca tínhamos ouvido uma canção assim. “Sobre as águas calmas/Um vulcão de fogo/Toda a terra treme/Nas vozes deste povo”
Até parecia que os risos estavam pintados de todas as cores. E até parecia que as cores sorriam para nós.
Era um dia a fazer esquecer memórias tristes e a fazer nascer memórias de mudança.
Memórias são coisas que ficam do tempo que passa. Coisas que recordamos. E agora recordo o 25 de Abril do ano de 1974. Foi há muitos anos, mas o que aconteceu continua a ser tão importante, que vale a pena ir à História para contar esta história. Foi o dia de uma Revolução. Mas uma revolução em que as flores foram mais fortes que toda a força do Mundo. Sem este dia não podíamos viver a Liberdade. Nem gritar Viva a Liberdade! Foi um dia de abrir novas memórias.Há muitos anos, um dia cheio de vontade de mudar as nossas vidas ficou para vir a ser uma memória. A tua memória. A memória de todos nós.
É verdade: havia um homem, vizinho nosso, que nunca falava. Mas a partir desse dia nunca mais se calou.
Alexandre Honrado
Lindo