Ler a História
Nem imaginam o que aconteceu à velhinha andarilha! Ela, que era uma verdadeira atleta, que acordava sempre antes do despertador e se punha a andar para fora da cama e que saía de casa com um pão numa mão e um copito de leite e café na outra mão, mochila às costas e sapatos de ténis, agora não anda. Está quase parada. Está em casa.
Não está doente, não se preocupem; é assim mesmo, está quase parada.
Abre a janela, deixa entrar o sol em sua casa e grita, um grito que imitava o cantar do galo da sua terra: viva mais um dia, có có có ri có.
A velhinha andarilha, cheia de genica, mesmo em casa, faz o que mais gosta na vida: andar de cá para lá e de lá para cá. Isso ela faz como mais ninguém. E só depois se senta, estafada da correria e da andança ou da andança em correrias, não sei explicar.
Anda às voltas pela casa e como a casa é pequena volta sempre ao ponto de partida. Põe-se a andar à volta da mesa, fazendo da mesa uma grande rotunda. E faz isto todos os dias. Acorda ensonada, desperta logo a seguir, enche-se de energia e anda e anda, anda e anda, anda e anda. É uma alegria.
Mas a verdade é que não saí, praticamente, do mesmo sítio.
Sempre que para um bocadinho, fala com os seus botões, que botões coloridos e grandes que usa com tanto gosto:
– Botões, botões meus, estou um bocado farta de andar e andar e andar e andar. Estou desejosa do dia em que me ponha a andar daqui para fora.
Mesmo em casa, prepara a uma mochila, com uma garrafa de água, duas sandes mistas, um casaco de malha, um rádio, uma pastilha elástica, pode apetecer-lhe – e anda pela casa como se fosse subir uma montanha, como se fosse para a beira mar fazer surf na crista da onda, como se fosse atravessar o país daqui para lá.
Se vê pó, pára para limpar. Se encontra uma aranha, pára cumprimentar. Anda e anda, anda e anda e às vezes pára, só para pensar.
– Estou preparada para todos os desafios, estou elegante, perna cheia, bem cheia de músculos e nem ao ginásio vou. E só me sento para perder tempo. Estou pronta para tudo e para enfrentar os desafios mais importantes.
É nessas alturas que agarra no telemóvel e liga aos netos.
– Oiçam lá, não me digam que estão para aí parados, sem fazer pelo menos um esforço.
– Sim avó. Também estamos em casa, sem parar um momentinho, um instante, um nadinha que seja. Há muito que fazer, mesmo que não seja a correr, a mexer, a percorrer.
Alexandre Honrado
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